domingo, 18 de setembro de 2011

Coleção

Não é a primeira vez que me sinto tomado por alguma idéia diferente que me ocorra, seja lá qual for a razão dela ter surgido. Algumas vezes possuem uma aparência sombria ou aterrorizante que me fazem analisá-las muito bem antes de tomar qualquer decisão. Outras, por melhores que sejam, parecem nada ter a acrescentar no momento e, então, acabam guardadas num canto remoto da minha mente (ou em alguma anotação perdida) e lá ficam até que uma oportunidade realmente boa as tire de lugar.
É o que está para acontecer. De todos os projetos que tenho, alguns deles estão tão empoeirados que quase não os percebo mais em minha mente. Seria a hora ideal de fazer uma faxina. Ou quase.

Uma mudança na forma de organizar as idéias agora que a maturidade chegou a um nível ainda mais elevado (e continuará a crescer ao longo dos próximos anos). Sugeri a mim mesmo a encarar isso agora como uma coleção. De ideias, projetos, vontades, imagens, hobbies, sonhos (em sentidos diferentes dos que aparecem por aqui). Atividades, diria. E nessa passagem, algo deve se perder, pois é comum que isso ocorra em mudanças. O que eu avaliar como atualmente imaturo e/ou não satisfatório (falando pessoalmente) o suficiente, vai sair da coleção. Dinâmico por si só como a vida é, esse plano.

Porém o que é importante vai continuar sempre vivo, caminhando, seguindo em frente, por mais que a curva do tempo diga que não, ela sabe estar mentindo para si mesma, pois pode olhar o futuro e ver as mudanças.

Talvez um pouco dessas ideias cheguem aqui, para dar mais brilho a essa miragem perdida no solitário deserto que minha mente se torna às vezes. Espero ainda o choque que fará este coração voltar a bater... e tem prazo para acontecer...?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

De fato, um retorno

E assim foi. Hoje a utopia retorna das cinzas após quase dois longos anos de hiatus. É, de fato, um esforço recompensador. Título baseado numa música lenta e calma, porém agradável de se ouvir e que adoro. Também adequada para a ocasião, uma vez que este retorno é calmo e lento (apenas 1 página) e não deixa de ser agradável. Talvez o cansaço não me deixe apreciar isso da forma correta, mas quando o ritmo aumentar acredito que tudo voltará a ser como dois anos atrás.
Não, não exatamente igual. Nunca é igual. Resta, portanto, ser melhor. E que dure mais do que esta bela música calma e agradável.

De fato, um retorno...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A caçada deve continuar

Deixei que o calor fosse descongelando aos poucos e fazendo os fluídos da criatividade correrem novamente em minhas veias. Demorou ligeiramente mais do que o planejado, mas sempre há uma margem de erro implícita em qualquer estimativa para datas. Assim sendo, não pequei nem errei. Estava ali o tempo todo, tanto que voltou a bombear.

Digo que os desafios agora são outros, como abrir os olhos, caminhar para onde tudo estava, reforçar os pensamentos de antes, de agora, de amanhã... É sempre assim, não é como se me assustasse de qualquer forma. É mais uma questão de adaptação externa à todas as atividades que surgiram em volta do projeto e, por melhores que sejam, o atrasam (ou, como preferirem, o desaceleram). Os nomes continuarão sendo mudados, as caras serão rejuvenescidas (embora parecem que na verdade envelheceram) e por aí vai. É tanta coisa que pouco se dá para falar. Às vezes penso que mesmo tudo isso deveria estar documentado de uma forma mais... acessível? Para mim não faz tanta diferença e continuo acreditando que pouca gente acompanharia. Se todas as mudanças e tópicos mais importantes estivessem num lugar onde não apenas mais eu olhasse, talvez isso ajudasse um pouco a memória de alguns que, como a minha, falham quando o tempo entre cada lançamento é tão longo.

Mas isso mudaria a cara deste espaço, ele deixaria de ser tão negro e obscuro e também seria rejuvenescido, tornando-se um pouco mais claro (mas não colorido). É algo a se pensar pro futuro. Por ora, A Miragem da Utopia permanecerá com o seu objetivo inicial e, caso meu trabalho retorne de onde parou, os posts aqui também voltem com alguma frequência. É um desejo meu.

Independente do que aconteça, todos os projetos que foram paralisados serão devidamente terminados no seu tempo. Os projetos futuros que não posso dizer nada sobre. Ainda assim, estão para depois que as ilusões tomarem conta dessa terra outra vez.
A caçada deve continuar.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Planejamento de retorno

E agora já fazem 4 anos que um projeto começou. Pensando em datas, é possível adicionar algumas outras vitórias e formar uma pequena lista. Faz quase 1 ano e meio que comecei algo incrível, ou inicio agora mais 6 meses num caminho que me apareceu tão inesperadamente e ainda assim se mostrou tão bom. Ou 3 anos e meio da descoberta mais significativa para mim. Não importa, de datas para se comemorar estou cheio.
Por isso, é hora de voltar. Não forçando contra o hábito que já se formou na espera, mas sim semeando aos poucos todo o projeto novamente. Nunca recomeçar, mas rever, sim. Ressentir também. Reimaginar. E com isso, criar, recriar, continuar.

Espero que dentro de alguns meses algo apresentável se forme, e é por essa idéia que quero me dirigir daqui pra frente. Sei que hoje estou mais ocupado que antes, de todas as formas possíveis. Estudos, namoro, hobbies mais intensos. Espero que tudo isso me ajude muito mais do que consuma meu tempo para trabalhar. E desejo de verdade que o resultado seja ainda melhor do que o anterior. Por isso, planejo.

A mudança do nome agora deve se fazer mais presente. Acho que o título antigo vai ficar conhecido apenas para os que conhecem a história há mais tempo, é melhor já me acostumar com as mudanças. E pretendo também alterar outros detalhes menos significativos para dar uma aparência nova, mais madura, ao projeto. Entretanto, a essência será a mesma, sempre. Desde a primeira versão, há 4 anos, a essência é a mesma de hoje. E é essa base inabalável que conduz minha história pra frente, por muitos volumes (e espero que venham mais do que o planejado).

Se minha mente permitisse, também gostaria de tentar outras coisas ao mesmo tempo. Mas isso está reservado para o futuro que desconheço, por enquanto vou me programar apenas para o retorno do meu projeto mais querido. E é isso, já sentia falta dela, de suas reações, de seus carinhosos apelidos. De sua vida que corre através de mim.
É hora de voltar para aquele mundo...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Sonho (1) - Marca

Passado havia muitas coisas diante de seus olhos em todos os seus sonhos daquela noite. Muito de sua história estivera representada ali, pois dela ele não conseguia fugir. Entre tantas coisas que o assolaram no sono, a última - e também que ficaria mais tempo em sua lembrança após acordar - era uma imagem inicialmente borrada, difícil de reconhecer, mas que logo tomou uma forma conhecida. O desenho do sol era a marca de seu povo, talvez por serem tão castigados por ele que não sabiam mais separá-lo de suas vidas. O sol também serviria como mensagem para os outros povos, mostrando o que aconteceria num confronto direto entre eles. E assim foi, pois as chamas de seu exército consumiram as terras estrangeiras onde aquele simples homem, ex-soldado, estava agora.
A luz matinal cobriu o desenho de seu povo e apagou-o completamente, fazendo assim o viajante acordar. O silêncio parecia imperar, e nem as aves cantavam naquela manhã. Seria estranho, incômodo, perceber isso àquela altura de sua viagem, mas nos locais onde a guerra havia passado só o vento e os corvos serviam de companhia. Portanto estava acostumado ao silêncio tão bem quanto estava acostumado aos sons dos animais à sua volta. Nenhum deles lhe trazia paz, entretanto. A presença e as vozes das pessoas também não. Aliás, dentre todos os barulhos, aqueles feitos por humanos são os que mais incomodavam-no. Ele não sabia o que esperar deles, e não sabia o que esperar de si mesmo. Não havia nada a ser feito ali, concluiu para si mesmo.

Permaneceu na cama por um bom tempo, primeiro deitado, olhando o teto de madeira e sentindo o cheiro de queimado à sua volta. Não sabia se vinha da janela ou da fresta da porta, mas tanto a fogueira acesa por toda a noite quanto a terra assolada de toda a vila poderiam ter aquele cheiro. "Não importa", pensou, passando a sentar-se na cama e meditar. Sobre a vida, sobre a morte, sobre suas dores. Era uma rotina já, pensar nessas coisas. Não tentava achar uma saída, nem concluir nada. Não esperava encontrar resposta alguma, eram apenas pensamentos desordenados que vagavam permanentemente em sua alma. Ele não saberia evitá-los mesmo se quisesse.
Foi então que entraram em seu quarto quando ele ainda estava meditando. Mesmo a quebra do silêncio não o despertou. Aos poucos notou a presença dos estranhos e não se assustou com eles, apenas ergueu os olhos para ver os dois homens no quarto que não era seu. A seriedade pairava no ar, e mais palavras foram proferidas sem que ele entendesse alguma delas. Mas isso não importava, ele conseguia deduzir do que se tratava. Colocou-se de pé e estava pronto para seguir os homens onde quer que fossem, até se o levassem para sua morte. Um deles se virou e saiu da sala. O viajante continuou a olhar para o que ficou, entendendo assim a mensagem de seu olhar. Seguiu o primeiro dos homens e deixou o outro seguindo-o por trás. Viu a mulher do dia anterior na casa e se surpreendeu com isso. "Eles me deixaram na casa de uma mulher?", perguntou a si mesmo. "Isso não faz o menor sentido. Mesmo que ela fosse viúva ou escrava, não teriam porque me deixar com alguém que pudesse matar tão facilmente", continuou pensando. Saiu da casa e caminhou com os homens instintivamente. Olhou para a vila durante a manhã, contando as pessoas ao seu redor, quantos trabalhavam, quantos lamentavam, quantos nada faziam. Quantos sorriam, e este número era extremamente reduzido. Ainda assim, tentava encontrar naquele estranho modo de vida, não tão diferente do de sua terra agora com o chão queimado, um motivo para deixar uma situação tão propícia a uma fuga. "Talvez estivessem me testando, verificando se eu teria coragem de fugir, assim poderiam decidir se me fariam de escravo ou se me matariam". Seguindo seu pensamento, aquela pequena excursão pela vila representaria então a decisão do povo que o capturou.
Os homens o levaram até o rio mais próximo e o deixaram se lavar. Não ficaram ali esperando que voltasse, apenas trouxeram outra muda de roupa que ficou na margem do rio, deixaram subentendido que esperavam que o homem retornasse para a vila. Poderia ser outro de seus testes, poderia haver homens espreitando na mata, observando seus movimentos e aguardando que tentasse fugir. Para matá-lo.

Ficou ali. Em meio a pensamentos, em pé, dentro do rio, olhando para a água corrente sem realmente vê-la. Seus olhos não viam nada, apenas o que sua mente dizia que viam. E sua mente resgatava memórias, pensava loucamente sem concluir nada. Seguia por todos os rumos ao mesmo tempo, parada no tempo. Não avançava, não recuava. Não tinha escolha.
Foi então que percebeu que estava sendo observado e olhou na direção que seus sentidos apontaram o vigia. Lá estava a mulher que vira no dia anterior e na casa. Aquela que não fazia o menor sentido deixar junto dele. "Quanto mais penso nisso, mais acredito que é uma escrava", disse a si mesmo. Ela o olhava tristemente, na verdade, parecia que iria chorar à qualquer momento. Seus olhos repletos de compaixão não demonstraram vergonha alguma ao vê-lo nu na água, e ele não estava disposto a se cobrir, muito menos ali. Ficaram assim um tempo se olhando, até que ele resolveu mergulhar. "Seria melhor desaparecer no meio dessa correnteza e seguir adiante sem precisar pensar em nada", pensou. "Mas ainda tenho coisas a fazer, ainda sinto que posso chegar em casa. Não sei onde essa esperança enganadora reside, mas não consigo abandoná-la! Queria se forte o bastante para me matar. Queria ser corajoso suficiente para erguer uma espada e batalhar por minha liberdade e morrer como meus companheiros. Ao invés disso, aqui estou, esperando a morte me agarrar! Quão patético me tornei...", e assim seguiam seus pensamentos. Lamentações intermináveis de seu destino, deixando que a água o levasse, sem ter a consciência disso. Tudo se tornou escuro e sua consciência esvaiu-se no meio do fluxo de escuridão.
Acordou agarrado pela mulher, agora na margem do rio e foi então que percebeu que estivera quase se afogando. O frio era intenso e seu corpo estava pesado. Ele não queria se mover, mas sentir-se tão pesado o fazia lutar para se mexer inconscientemente. Ouviu a voz da mulher outra vez. Estava tentando falar com ele, como antes, mas agora era uma mistura de incompreensão e angústia. Era um pedido que ele não sabia do que se tratava. Não respondeu como sempre, e ela continuou a falar. Tocou-lhe as costas e seus pensamentos foram imediatos. "Ah...! Quanto tempo faz que não me falam disso? Sequer lembrava de minhas queimaduras. Ela já deve ter percebido tudo, já deve saber que sou um estrangeiro, soldado, e que matei do seu povo. Deve pensar que essas marcas terríveis são da guerra e pensar em chamar os outros homens, constatar aquilo que sempre suspeitaram e finalmente acabarem com minha vida."
"Já era hora", pensou e, num pesado suspiro, parou de se mover. Aquilo emudeceu a mulher, que se levantou e começou a se afastar. Ele ergueu o rosto para vê-la ir embora, mas ela ainda estava lá, perto. Viu-se novamente confuso. O que ela queria afinal? Não olhava diretamente para ele, não parecia querer machucá-lo. Salvá-lo nunca foi uma opção válida, por isso ele descartava essa possibilidade antes de cogitar sua existência nas profundezas de sua alma. Tudo estava tão obscuro aos seus olhos, mesmo ela.
Não sabia, mas estava completamente errado, desde o começo. A luz estava ali para chamá-lo de volta à vida e ele ignorava isso. Submerso em seus próprios temores, surdo para as vozes tranquilas que muito desejou ouvir novamente. A vila não era tão ruim assim. A marca em suas costas nada tinha a ver com a guerra, era resultado da exposição ao sol. Muitos de sua maldita terra tinham marcas parecidas nas costas, terríveis marcas de queimado que mais pareciam fogo ou óleo quente. Aquilo era suficiente para fazer qualquer pessoa deduzir que ele fora vítima de torturas. Torturas de guerra, foi o que ela pensou. Por isso a compaixão, mas ele não havia entendido aquilo. A marca de seu povo havia lhe deixado também uma marca física, e suas lembranças do sonho retornavam de vez em quando. Era um estranho ciclo naquele dia que também não apresentou significado para ele.

Sentou-se no mato e esperou secar. Não haviam trazido uma toalha, afinal. De frente para o rio permaneceu, pensativo. E por vários momentos ouviu a voz da mulher. Não respondeu uma vez sequer até que ela foi embora. Suas dúvidas ainda o mantinham perturbado, e aquela marca do seu povo estava outra vez presente em sua mente. Firmes, seus olhos fixos no reflexo que o sol fazia no rio o convidavam para outro mergulho de pensamentos, sem saídas, sem conclusões.
Vestiu-se e voltou para a vila, onde os homens o aguardavam. A mulher conversava com outras pessoas normalmente e não parecia contar nada realmente importante. Talvez ainda não fosse a hora de terminarem com aquilo, talvez ainda precisassem de mais alguma prova. A única mudança que ele percebeu foi a do olhar geral da vila. Muitos que antes o viam com suspeita, deixaram de lado a desconfiança e pareciam aceitá-lo.
Ele só não saberia dizer por quanto tempo aquilo iria durar.

sábado, 13 de novembro de 2010

Sonho (1) - Aquilo que ficou pra trás

Era estranho. Tudo. O ar, a água, a comida. As pessoas que vagueavam por toda a parte na vila, ora expressando inconscientemente toda a sua determinação em viver, sua satisfação pela sobrevivência à guerra, ora revelando um rosto lamentador, tristonho, revirando o chão com um olhar pesado. Também era estranho as sombras que se mexiam sem parar no quarto, sombras que ele não estava mais acostumado a ver. Aquilo era por causa da fogueira, da lamparina, do vento que soprava baixinho passando pela fresta da janela e penetrando no quarto, fazendo muito do que ali estava se mover. "Ah! O luar! Você também é responsável por isso!", pensou ele.
Era estranho estar naquela terra estrangeira e, ele sendo agora um simples viajante, ter tanto medo do que ocorria onde seus olhos não alcançavam. A cicatriz da batalha era muito profunda, e toda vez que uma paz surgia entre os inúmeros embates sem fim, descobria mais tarde que não passava de uma mentira.
A paz não existia.

Era por isso que seus olhos ainda estavam tão abertos, muito mais do que estavam mais cedo, ou nos outros dias de viagem, aqueles junto aos homens. De alguma forma misteriosa seu corpo agora parecia não estar satisfeito com a idéia da morte. Talvez fosse o medo de não saber como e quando ocorreria, não se ocorreria. Talvez alguém estivesse esperando calmamente ele adormecer para tirá-lo a vida. Isso poderia ser agradável, se não percebesse que o sonho o levaria direto para a morte. O problema estava em simplesmente não entender nada em meio à dores, e puxões, e machucados. E sangue. "Sim, o sangue", sua mente repetiu. A palavra quase pulou pela boca. Essa ele lembrava, tinha certeza de como dizer. Seriam capazes de entendê-la caso dissesse? Não tinha certeza. Mas ela existia e o perseguia desde muito. Desde o começo da guerra.
"Quanto tempo faz?", se perguntou novamente. Queria saber quando a guerra começou, mas não conseguia se lembrar. "Quando comecei a lutar nela?", essa era mais precisa, não mais que um ano, talvez. Não fazia muito tempo que abandonou sua terra maldita para buscar uma melhor condição de vida, ainda podia se lembrar dos rostos das crianças de sua terra. Mas pensar naquilo o fazia rever também o rosto de suas vítimas. E lembrar-se das vítimas o fazia pensar que também seria uma. Logo, logo.
Conseguia ouvir o incessante crepitar da fogueira no cômodo ao lado. Era angustiante. Os berros, a correria, a dificuldade. Tudo isso ainda morava na sua cabeça. A guerra inteira era um trauma, principalmente sua última batalha. Seu coração batia mais rápido agora, o medo crescendo cada vez mais, uma mistura das lembranças do sofrimento das pessoas e uma associação de tudo aquilo que viu acontecer com outras pessoas também acontecer com ele. A noite parecia interminável. Todo barulho exterior parecia o de alguém se aproximando. "O assassino!", pensava. Ouviu uma voz em outro cômodo da casa. "Estão se aproximando!". Ele não tinha forças para se levantar, por isso olhava a porta o tempo inteiro agora, esquecendo a janela que permanecia pouco acima da sua cabeça, um excelente lugar para alguém iniciar um ataque.
Depois de um tempo, ouviu passos e, por fim, viu a maçaneta se mexer. Tinha certeza de que era o seu fim, de que aconteceria naquele momento, justamente quando pensavam que estaria dormindo, porém a porta não abriu e ninguém entrou. Em momento algum, os moradores daquela pequena vila invadiram seu quarto. E todo o esforço que ele fazia para se manter alerta exauriu sua mente mais do que pôde notar, portanto, caiu no sono sem perceber, também.

Seu sonho começou exatamente daquela maneira, no quarto, deitado, esperando seu julgamento chegar. Então, junto com os pensamentos de sua terra, a casa se abriu e o sol apareceu. Era um bonito amanhecer com as crianças correndo para todos os lados. Então veio o chamado para a guerra, e ele foi, junto de muitos, de milhares. Era a hora de lutar. Disseram-lhe muitas coisas: instruções, como manusear suas armas, o que fazer numa batalha, como responder seus superiores. Disseram-lhe o que fazer em cada uma de suas lutas, como fazer para que o todo sobrevivesse. Era a hora de lutar, sempre era. Mesmo quando deitava, ou tentava dormir, ou dormia tentando manter-se acordado, a guerra vinha, a batalha o perseguia. O inimigo era feroz, por isso, ele lutava.
Cada uma de suas primeiras vítimas passou diante de seus olhos. Homens e mais homens. A maioria teve sua imagem gravada em meio a brados, mas não os de vitória. Ele também se lembrou de que não era forte, nem fraco. Não era herói, nem corajoso, por isso sempre esteve junto dos soldados e nunca foi posto em cargos mais importantes. Também nunca fez parte das manobras estratégicas de seu exército. Ou salvou um oficial.
Não sabia, mas isso foi o que o fez sobreviver. No entanto, pensava não só nos guerreiros que matou, mas também nos inocentes. Nas crianças que nenhuma arma em suas mãos não atravessou, mas que seu coração, ainda que relutante, deixou serem mortas ou queimadas nos ataques de seu exército. Ele não tinha coragem alguma, nem para parar a guerra, nem para mergulhar nela e crescer por isso. Tudo que fez foi aceitar o que viu, o que fez, o que sofreu. E agora tentava aceitar seu destino como único sobrevivente e prisioneiro do povo que fez tanto sofrer.

O sonho o levou para sua última batalha. Toda a tropa onde parecia confiante. Não era pra menos, aquela era a última batalha. Estavam marchando para a capital estrangeira, em busca do último refúgio do governante daquela maldita terra. A guerra estava para acabar, finalmente. Ele batia forte contra o peito, lutando contra seus sentimentos que o esmagavam. Estava com muito, muito medo. De morrer, e seu exército vencer. De morrer, e seu exército perder. Desejava de todo coração não morrer e vencer, mas nenhuma das alternativas aconteceu. Tudo foi oposto do que previram, não só ele, mas todos do exército. Seu povo sucumbiu em armadilhas atrás de armadilhas, em falhas aparentemente impossíveis, em vantagens inimigas nunca antes vistas.
Talvez tudo aquilo fosse apenas um ataque em força total de um povo desesperado, mas não importava. Tudo havia acabado. Seus companheiros, a maioria esmagadora mais forte do que ele, morreram. Todos. E ele viu isso acontecer aos poucos. Cercados aqui, atropelados ali, queimados, esquartejados, destruídos. Era apenas o pior para cada um deles, exceto para ele.
Foi naquele momento que passou de soldado para viajante, ignorando as ordens e fugindo, junto de todo o restante do exército. Não soube explicar, não tinha idéia de quantos poderiam ter conseguido a mesma proeza que ele, mas conseguiu sobreviver. Era um milagre fugir de uma batalha perdida como aquela. Viu incontáveis de seus conterrâneos morrerem na mesma tentativa. Tudo era frustrante.
Por fim, viu-se sozinho, em silêncio quebrado por lágrimas e temores, numa terra totalmente estrangeira. O caminho para casa? Ah, esse ele fez durante toda a campanha de guerra, era só correr ao contrário agora. Mas quantos de seus inimigos estariam pelo caminho? Não sabia, não sabia mais nada. A confusão lhe tomava com cada vez mais intensidade, a ansiedade aumentava e não tinha mais ninguém que pudesse ajudá-lo. Estava inteiramente só numa maldita terra que nada de bom lhe trouxe. Memórias ruins, pesadelos, fome, dores. "Eu quero voltar pra casa!", pensou inúmeras vezes, gritando para o seu próprio coração despedaçado. Caminhou por muito tempo até ver outros rostos, e agora que finalmente conseguiu, esperava sua morte apenas.

Passou toda a noite se revirando, pensando em seu tenebroso passado recente. Aquilo que ficou pra trás era o foco dos seus sonhos, e ele não conseguia enxergar nada para o seu futuro, aquilo que o aguardava. À sua frente, pensava, restava apenas um único destino: a morte. Porém, desde que declarou sua sentença de morte, tudo que aconteceu foi um prolongamento de sua vida sem sentido. Outros homens tiveram tanta mais garra, mais vontade, coragem e ferocidade. Por que ele, um covarde, teria escapado? Por que o destino permanecia prolongando sua vida? Isso sequer passava em sua cabeça.

Era chegada a alvorada, as sombras da noite já haviam ido embora e seu sono não se tornava mais tranquilo. Ainda assim, ele dormia, esperando uma perseguição incansável dos fantasmas do seu passado. Para os seus olhos, a realidade não passava de miragens.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sonho (1) - Escondido na mudez

O sol estava se pondo, o céu tomado pelo laranja espantava as poucas nuvens restantes nele. Todas pequenas e distantes umas das outras, se movendo em velocidades diferentes, mas isso era quase imperceptível. Entretanto, um pequeno grupo de nuvens tingidas pelo céu se aproximavam umas das outras. Ele percebeu todas bem próximas, e com o soprar do vento, pareciam ainda mais juntas. Todas cercando uma no centro, que, sem para onde vir, seguia com o grupo. Aquela cena teria um significado totalmente diferente para outras pessoas, mas ele acreditou que era um sinal do incompreensível sobre seu estado atual.

Era igual. O cerco de pessoas, guiando para um lugar que não gostaria de ir. Único prisioneiro, afinal. Não tinha certeza quanto outros sobreviventes, mas tentou acreditar na possibilidade. "As outras nuvens?", fez para si mesmo. As palavras vagarosamente voltavam à rotina de sua mente, num esforço da retomada dos diálogos. Mas era tudo uma vaga lembrança de outra vida.
"O laranja?", sua mente perguntou. É o fogo, respondeu seu coração. Ardendo para todo o lado que olhasse, tomando o ambiente com sua forte coloração e destruindo qualquer chance de fuga. "Esse é o solo", pensou. O solo em torno de onde se encontrava, em torno da pequena vila. Tudo era negro ali embaixo, consumido pelo calor, torrado, acabado. O cheiro de fumaça não era tão forte, mas mostrava a lembrança da terra sobre a sua própria dor. Seria tão diferente assim dele?
Não eram tão diferentes assim. Comiam quando podiam, mas bebiam mais livremente antes que o rio fosse tomado pelo sangue e pela pilha de mortos, deduziu. Essa parte era diferente, não existia pilha de mortos em rios na sua maldita terra porque não havia pessoas suficientes para isso. Não era algo a se invejar, no entanto. A cor era outra diferença, e surpreendentemente eles não pareciam ligar tanto para isso quanto em sua maldita terra. Era clara a diferença. Clara porque era essa a diferença, eles eram esbranquiçados. Ficar tanto no sol forte fez com que todos de seu lar possuíssem aquela marca quente na pele. Possuíssem o cheiro do sol neles. Mas isso parecia ser igual a eles. Também eram igualmente pobres e miseráveis, eram idênticos nas adversidades, pelo menos no momento. "Não, eu ainda estou para morrer", concluiu.

Alguém o chamou e ele mal se virou para trás. Estava sentado num ponto da vila que não era nem no centro nem na ponta, onde todos poderiam vê-lo e que ele não precisasse ficar perto de ninguém. Ainda assim, uma mulher veio, chamou-o e sentou-se ao seu lado. Entreolharam-se um instante, estavam próximos, bem próximos. Poderia se jogar sobre a mulher ali, naquele momento, sem que ninguém tivesse chance de salvá-la. Mas pra que o faria? Não tinha pra onde escapar, ou como, ou porque. "Porque, eu tenho", respondeu a si mesmo. E então esqueceu de tudo que pensava, ela falara outra coisa.
Fitava cada rosto quando tinha oportunidade, ainda que seus olhos tentassem fugir todo o tempo, sua atenção se voltava agora para cada detalhe das pessoas que o cercavam. E não eram poucas, haviam crescido em número rapidamente. Desde que chegara a vila, trazido pelos homens, muitas mulheres e crianças e idosos o observaram com desconfiança. Homens se preparavam para o final de suas dúvidas, as quais faziam seus olhares se dividirem entre a compaixão e a raiva. Escolheram por fim aparente, a primeira das opções. Não por influência própria dele, sabia, não tinha tal poder. Fora o jovem que o salvara, outra vez. Discursou para o povo da vila e suas dúvidas desapareceram, mas ele não sabia o que isso significava. Eram tão diferentes, afinal. Não sabia o que falavam, o que pensavam, o que sentiam. Deduziria muito bem o que sentiram, mas o presente não estava no seu domínio. O presente era domínio deles, dos homens e do povo da vila, e de todos daquela terra igualmente maldita que era tão igual e diferente da sua.
Por fim, percebera não entender nada que a mulher lhe disse. Soava como outra das muitas perguntas, e respondeu a isso com um rosto duvidoso. Então ela repetiu e ele teve mais certeza sobre seu pensamento. Parecia uma pergunta, por isso ele respondeu acenando a cabeça. Isso ele poderia fazer sempre, mas estaria tudo bem simplesmente não dizer nada a ninguém e concordar quando julgasse que assim deveria? "Está tudo bem, eles vão me matar", disse a si mesmo, conformado.
A mulher sorriu, pareciam estar finalmente se comunicando. Ou ele estaria a enganando. Qual dos dois seria menos nocivo para ele? Não sabia dizer. Portanto seu olhar pesou outra vez e ela percebeu isso, falando um pouco mais baixo, compassiva, quase o tocando. Ele fugiu. Esquivou-se para longe dela, arrastando o corpo pesadamente para os lados e, mesmo com toda a sua fadiga visível, conseguiu evitar o toque. Ela franziu o cenho, parecia irritada. Ou insistente. Seu profundo olhar parecia penetrar no seu coração, algo que ele não gostaria de mostrar. Tinha que desviar o olhar, evitar o contato, fugir novamente, mas era impossível, a mágica já estava feita e ele não desgrudava os olhos dela. Não era nada, só atenção para um louco que jurou a sua própria morte dias atrás e parecia fazer de tudo para realizá-la.
Com um suspiro pesado, ela desistiu. Ergueu-se e saiu sem dizer uma palavra. "Eu não posso te entender", pensou como uma justificativa, ainda agressiva em seu coração, embora quisesse pensar "fez bem em não dizer nada, eu não poderia entender mesmo se insistisse", a diferença entre um pensamento e outro era a articulação de uma fala, coisa que ainda estava se lembrando de como fazer.
Ele permaneceu ali, olhando a mulher se afastar. E a medida que ela andava, tudo escurecia, a noite estava chegando outra vez. Era o período do dia que ele aprendeu a odiar, assim como o dia. Outro homem veio conversar. Andou rápido até uma distância que pudesse ser entendido claramente e falou firme. Era uma ordem. Ele não sabia o que significava, mas se levantou e olhou discretamente para o homem. Então outra frase veio e ele pôde deduzir um "venha comigo".
Assim o fez, sendo levado até uma das casas. Pessoas estavam reunidas no lugar, os olhares centrados nele, obviamente. A conversa começou, incompreensível como sempre. Ele deduziu algumas coisas, mas abandonou toda e qualquer tentativa de compreensão logo. Estava cansado, de tudo. Estava cansado demais para forçar sua cabeça a entender algo que não poderia. Queria cair, deitar, dormir, levar sua consciência para um lugar distante o bastante para não ouvir aquelas vozes nunca mais.
Disse algo, finalmente, mas que também não passava de um eco além da compreensão. Um grunhido, inexplicável, um reflexo de suas incapacidades. Mais perguntas vieram e mais respostas estranhas, ele tentava imitar qualquer som emitido pelas pessoas ao seu redor sem perceber isso. Estava apenas reproduzindo sons, tentando convencê-los de que era mudo, de que não tinha chance de se entenderem, para acabar logo com tudo. "Eu não tenho nada a dizer, eu não sei de nada. Apenas levem-me para longe, faça com que tudo isso acabe", pensou.
Emudeceram também, por fim. Quase todas as pessoas resmungaram alguma coisa e saíram da sala, só restaram ele, o jovem, a mulher com quem tentou conversar e outro dos homens que o carregou até a vila. Mais uma vez as vozes tomaram o ambiente numa conversa séria. Eles se esforçavam para entendê-lo, e ele se esforçava para que isso não ocorresse. Ele sabia porque, ele entendia do fundo de sua alma que a descoberta de quem ele era mudaria tudo, mudaria pra pior. Ele tinha que fugir de lá, mas como? Olhou para a fogueira acesa e imergiu em pensamentos outra vez, as memórias vivas de sua última batalha, da dor, do sangue, do ódio e da solidão voltaram. Muito daquilo permanecia com ele. Perdera a batalha, mas não conseguiu ter o mesmo fim de todas as pessoas a sua volta, de sua terra, da sua pátria morta. Todos estavam mortos, só restara ele, sozinho, numa terra estrangeira que tentou invadir. O lugar onde todas as suas vítimas estavam, onde o solo morreu por gente da sua maldita terra em busca de um lar um pouco melhor. Entretanto, nada de bom veio da guerra. E agora ele lutava outra vez por sua vida, para permanecer escondido na mudez.

Todas as pessoas juntas, mas não simultâneamente, apontaram para o chão e disseram a mesma frase. Isso cravou em sua mente perturbada o sentido de tudo aquilo que faziam desde que o trouxeram para o interior da casa. Eles disseram: "você vai ficar aqui!".

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sonho (1) - Vozes, ecos além da compreensão

O gramado se espalhava por toda a parte, acariciado pelo vento sem fim. Uma brisa e, logo após, uma corrente demorada de ar rápido que lhe abafava os ouvidos. No balançar do passo do cavalo, seus olhos subiam e desciam no horizonte, sem decifrar as minúcias da paisagem. Estava outra vez no absorto de uma mente sem ânimo. Haviam árvores que ajudavam a espalhar não só o verde, como também outras cores pelas suaves inclinações dos morros enquanto o azul claro salpicado de branco tingia o céu num belo dia.
A tranquilidade penetrava em sua alma por alguns instantes até que o som do vento sumiu. Era hora da brisa voltar. Foi só então que os ecos tocaram suas orelhas e sua mente, quase adormecida, se alertou para o ocorrido a sua volta. Deslizando os olhos sobre o panorama, encontrou os mesmos seis homens numa conversa frenética. O mais jovem era o mais animado, gesticulando bastante e elevando a voz sempre que podia. Em seguida, um dos mais velhos o encarava cético e sua voz murchava. Um lamento veio depois, um pequeno gemido e mais palavras sem significado.

Palavras. Quantas ele ouvira nas últimas horas? Dezenas, talvez centenas. Julgou que estava próximo das milhares somente pelo jovem energético e seus gestos infindáveis. Sorriu sem que ninguém notasse, ansiava por aquilo fazia tempo, dias, desde o fim de sua última batalha. Concluíra aquilo somente para desfalecer novamente. Aquelas vozes eram ecos além da compreensão, eram o código daqueles que o perseguiram, a língua do desespero dos seus sonhos, dos esboços dos rostos em chamas, em agonia, consumidos pela podridão que emergia da alma de outros homens. E mulheres e crianças e idosos. Todos assentindo distantes as dores de terceiros, todos esperando pela transformação de pesadelo em salvação.
Com as forças obtidas pelo que lhe deram de comer e beber, arregalou os olhos e fitou as expressões daqueles que o levavam. Sentiu-se um escravo, refém da própria sorte. A mesma que o abandonara desde a última batalha.

"Estarei a salvo amanhã?", pensou. E de novo não respondeu. O coração acelerou sem que percebesse, já que toda sua concentração estava nos ecos além da compreensão. "Oh!", pensou por reflexo ao reconhecer um som similar. "Aquilo foi um 'ann'?", em sua língua poderia significar em, sobre, de. E também significava silêncio. Um aviso? Notara que sua boca estava aberta, com sede de conversa, de diálogo, de compreensão. E então calou-se antes de falar, fechou abruptamente e quase mordeu a própria língua. Nem teria reparado na dor, só queria fugir o quanto antes de qualquer descoberta, fosse dele ou daqueles que o levavam.
Seus olhos cruzaram com os de outro homem, um dos mais velhos, sérios e calados. Esse observava demais, demais. Gelou por dentro. "Ele descobriu!".
A pergunta veio em seguida e ele não entendeu. Não poderia, estava em outra língua. Uma que jamais ouvira antes, a não ser num passado próximo, mas não tivera a menor intenção de aprender. Aprendeu, no entanto, que o fio da espada era rápido e gelado, e silenciava tão bem quanto as noites escuras que lhe tomaram a rota certa para sua terra maldita.

Grunhiu em resposta, mais um eco além da compreensão, até para si mesmo. Todos os olhares se centraram nele e seu corpo se encolheu, incapaz de lutar contra a perigosa atenção daqueles homens. Então mais palavras ecoaram ao seu redor, sem sentido algum. E com elas o vento soprou forte e lançou para longe qualquer oportunidade de reconhecer outra palavra. Para sua cabeça medrosa, todas as bocas diziam "matem-no! Matem-no!". A conversa incessante progredia e o volume das vozes em conjunto só aumentava a confusão. Sentiu o desespero e as lágrimas emergindo de sabe-se lá onde dormiam.

Silêncio. Os homens se aquietaram e, com eles o vento. Junto ao vento, seus pensamentos. A dúvida pairava tão fundo em sua alma que nenhuma idéia do que se passava ocorrera. Haveriam escolhido seu destino? Percebido suas origens? Ele sequer tinha dito algo em sua língua natal? Não sabia nada, nem falar. Não poderia perguntar ou entender a resposta. Só restava esperar.

Esperou mais três dias, dividindo o pão e a água com os viajantes. E quanto mais o tempo avançava, mais reconhecia os desastres da terra, os danos ao solo. Muito daquilo foi provocado por chamas que ele sabia a origem. Era uma das poucas coisas que sabia daquele lugar. Entretanto, ainda assim, não sabia onde estava. Os homens emudeceram no último dia de viagem, principalmente o jovem, estupefato com as consequências para sua terra. A tristeza estava em seu olhar. E ele soube que o jovem jamais perdoaria se encontrasse algum responsável por aquilo. Talvez esse momento não estivesse longe, afinal.
Assim, vislumbrou ao longe a sombra de uma vila arrasada pelas chamas da guerra. Esse era o seu destino, o lugar onde as cicatrizes da terra decidiriam seu castigo?
Não saberia dizer...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sonho (1) - Andando em silêncio

Com o sol bem acima de sua cabeça, ele tentava contar inutilmente o tempo que estava andando. Em silêncio, claro. Não havia nada para falar, ou sobre o que falar, ou com quem falar. Até mesmo sua mente estava parando de pensar em diálogos. A única coisa que sua mente pensava era em como chegar a salvo, como manter aquele resquício frágil de vida longe da extinção pelo máximo possível de tempo. Portanto, ele caminhava.

Refletindo no fundo de sua alma e outra vez emergindo em seus pensamentos mortos, lembrou-se de como era o lugar para onde se dirigia (ou pensava que se dirigia). A péssima memória o fez franzir a sobrancelha. Se ainda se lembrasse de como conversar teria dito "terra maldita!", mas ainda não lembrava que tinha tal domínio.
Uma vez ou outra produzia um som qualquer com a boca, inconsciente do fato, contudo. Não tinha o propósito de comunicar nada, nem a si mesmo. Sequer uma palavra de ânimo, talvez um "siga em frente, não deve faltar muito mais!" ou "Depois desse trecho, vire à direita e siga por mais um dia".
Dias. Era isso que tentava contar. Sem sucesso, abandonou a frágil idéia e caiu. Estava exausto, sabia disso, sabia que não poderia continuar andando com tão pouca força. Só restava esperar. Talvez por mais alguns dias até que algum viajante entusiasmado com as novidades encontrasse um cadáver numa trilha secreta que servia de atalho entre duas aldeias. "Se eu tivesse ido pela estrada principal, talvez pudesse ser encontrado por alguém", sua mente lhe disse. Ele não respondeu. Nem queria. Queria apenas dormir e sonhar com sua maldita terra diante dos seus olhos.

Ainda poderia ver com nitidez a ridigez de sua terra, o cheiro de adversidade exalando do chão, o sussurro da pobreza nos seus ouvidos. Um arder como fogo incrustado em sua pele pelo sol. Memórias deixadas no corpo, memórias que jamais sumirão. Era assim que seus olhos lembravam de sua terra, maldita terra. Ali estivera com sua família, com crianças, buscando apenas dias um pouco melhores. Aprendera que milagres não aconteciam ali, e que a salvação vinha do modo mais simples possível. A guerra.
Sempre fora assim antes de nascer e deduzia que continuaria assim. Guerra atrás de guerra. Chamas, mortes, terror. Ali estava outra das cicatrizes de sua vida, e o temor surgiu do fundo de sua alma em recordações tenebrosas de um passado próximo. Gritos desesperados, esforço sobre-humano, milagres que nada mais eram que sobreviver. Para cada dia, um desses pequenos e indiferentes milagres. Então veio a luz e com ela, seu despertar.

À princípio imaginou que as vozes eram os ecos dos mortos lhe chamando, mas essa impressão não durou muito tempo. Foi só abrir os olhos e pronto, ali estava o brilho do sol. Outra coisa que ele aprendeu a odiar com o tempo. Houve o tempo em que gostava da lua, mas agora nem isso. Havia se perdido nas noites mais escuras em sua silenciosa viagem e, desde então, passara a odiar tanto o dia quanto a noite.
Em seguida, encontrou os donos das vozes. Os homens estavam por toda parte à sua volta, falando sem parar, gesticulando, animados. Talvez irritados, ferozes, famintos. Ele não sabia dizer. Ele não sabia nada, principalmente o que falavam. A língua era estranha, o sotaque, mais ainda. A pronúncia das palavras ricocheteava em seus ouvidos e não atingia seu cérebro. O mesmo que parou de contar o tempo agora contava os homens.
Eram seis. Grande parte maduros, porém o que estava mais próximo e entusiasmado era jovem e isso era outra coisa que desconhecia. Os jovens eram animados e felizes, mas não em sua maldita terra.
Pouco tempo depois notou que as palavras eram em grande parte dirigidas a ele, pareciam perguntas ou assim soavam aos seus ouvidos. Era o óbvio, perguntar quem era. Saberia responder? Poderiam reconhecê-lo? O medo invadiu-o novamente. Não tinha resposta para aquilo. A sorte não o acompanha desde sua última batalha. Deveria estar morto faz tempo, porém algo parecia brincar com o seu destino, embaralhando suas expectativas uma vez após a outra, sempre desmentindo suas impressões imprecisas do futuro próximo.
Mudo. Foi como permaneceu. Um pio sequer, os olhos levemente arregalados, tão pouco que ninguém percebeu. Não tinha forças nem para esboçar uma careta, um olhar de espanto, um coração acelerado.
Estaria morto se o fizesse, e inferiu que assim seria, entretanto, os homens o ergueram, colocaram-no num cavalo e deram seguimento a uma outra viagem, para outra terra. Uma terra recém maldita que nada lhe teria a dizer.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Aprovação

Sempre buscando a aprovação dos outros, como sombra que anseia tocar a luz. Busca que não faz bem ao coração, perseguição fútil que pouca satisfação traz para si. E ainda assim, é tão visada, tão querida, tão procurada e adorada. Por que o ato ou efeito de aprovar, assentimento ou confirmação soa tão importante para as almas vivas? O que faz um simples "sim" tão vital para a manutenção da existência pessoal de um simples ser? É incompreensível em alguns momentos e em outros totalmente justificável.
Sempre esperando uma nova cor no céu, um sorriso que lhe desse permissão de seguir em frente, de fazer o que quer. Uma voz que guiasse para a terra dos sonhos, onde todos os olhos brilham até se apagar para toda a eternidade. O que faz da aprovação tão necessária? Como a dor se incrusta quando uma forte negação atinge, como aflinge, como arde. Mesmo que sem notar. Fingindo não tomar nota da chama que lhe consome pela falha, podendo ou não usar esse corpo como combustível para um novo tipo de fogo, um que lhe trará a tão amada aprovação.

Queime, então, todos os documentos de confirmação e siga adiante para a terra dos sonhos. Para a aprovação que lhe foi negada...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Marcando procrastinação

Sem saber qual deles é mais comum, porque pouco se repara nas vezes que algo dá errado ou o quanto se adia algo simples, seja por consciência ou necessidade, seja por indolência ou fadiga, deixa-se carregar assim o peso da insatisfação. Parece habitual todos levarem consigo pelo menos um pouco dessa procrastinação, de modo a parecer intencional que certos encontros falhem, nem que seja no mais íntimo do inconsciente. Parecer mais estar marcando falhas no calendário, deixando a mente dizer no que se pode errar dia após dia, passando para o amanhã a responsabilidade de hoje. E no fim, brigar por isso, arrepender-se e tentar de novo.
Nunca se cansar de falhar nas exatas pequenas coisas, até mesmo quando se tenta acertar. Ou pelo menos assim é dito para si mesmo sem a menor intenção de tornar realidade o que as palavras querem dizer.

Gradualmente me canso dessas marcações propositais e adiamentos infindáveis. Creio que em breve também marcarei uma procrastinação na resolução desses problemas, apenas por efeito da indignação.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Tépida frieza

Aconchegante como noite de verão, na qual a brisa que corre e desliza no rosto pode trazer um cheiro de paz, uma morna tranquilidade após um dia agitado, apagando assim as cinzentas cores dos retratos que seus olhos tiraram da vida. Ou reconfortante como o sol num dia de inverno, tornando tépida a frieza instalada mais ao fundo em si mesmo, como uma mão que acaricia as tristezas da alma.
Assim me aparece essa tépida frieza, que me faz translúcido como um copo d'água, permanecendo à vista um pouco de minha própria sombra mergulhada na luz. Nem todo um, nem todo outro. Um dilema em sua essência, um paradoxo da mente que insiste em tocar ambos os lados com a mesma mão. Em entender o que leva e o que traz com a mesma intensidade que remexe os sonhos onde vozes e carinhos familiares se perdem no ofuscamento dessa miragem.
Calma imagem invertida esperando tornar-se direita como sempre fora. Com esta lua sob meus pés e a escuridão no céu sem estrelas. Doce solidão que vem e passa sem jamais deixar um beijo de boa noite, um arrepio de presente.

Reflito e reflito, assim, em vigília nos meus sonhos, até onde estou entregue ao sono e até onde minha consciência está em mim. Penso até onde é real essa calorosa friagem que me segue quase no fim...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

De volta

Aguardando o surtir do efeito da longa espera, numa mistura de ânimo e esperança, desafio e frustração, desamparo e confiança, no fim, a confusão se aproxima irada, e o que comete a ira é despedaçar as frágeis expectativas do futuro, sem construir, por necessidade, algo para substituí-lo.
E é assim que tudo retorna, de modo inesperado, como quase todo retorno, seja planejado ou não, atinge alguém. E é tudo ainda tão estranho que nada se pode notar sob o embrulho que se faz no interior de si as coisas do coração. É, de certo, intangível para os que estão ao redor, voando livremente sem as asas da preocupação, que mais pesam do que lançam qualquer um para cima. É como um mergulho num céu infinito. De volta ao chão, o fim?

De volta a ação, o sim. E assim se perpetua os passos que por vezes não lhe tiram o lugar nem lhe tiram do lugar, mas mesmo em toda sua incoerência o fazem andar. De volta a negação, o mau. E que mau é este que vem e acarreta toda a razão para dar lugar ao medo e à privação. Transformação, é o que se faz necessário.
Dentro da necessidade há opções, e destas se ramificam as possibilidades de decisões muitas vezes ocultas por nossa própria visão embaçada por tudo aquilo que não queremos enfrentar. Porém, enfrentar é mais necessário do que transformar, ou melhor seria apagar? Confirmando assim a volta para se dizer "estou de volta!" para provar que o ânimo ainda existe.

De tudo, o que resta para a volta é o planejamento de um amanhã tão próximo que pode ser hoje e tão distante que pode ser depois de amanhã. Porém, nunca será dado um adeus definitivo, nem para o futuro, nem para o passado, pois para eles sempre estamos dizendo "estou de volta!".
Portanto, afirmo que para quem já faz parte do futuro e do passado, nunca será dado um adeus definitivo.

Nem nos piores pesadelos...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Fragmentos da mente (2)

"Eu crio o que posso sentir. E sinto o que posso criar."
De alguma forma estes toques têm aparecido mais fortes. Repentinamente mais intensos, como se ordenassem algo das mais profundas áreas do meu ser. É um estranho desejo enroscado em dores, uma forma de vida que cresceu apaticamente nos últimos tempos, para explodir em seus mais fortes sonhos, prender-me numa teia feita por mim mesmo, e lá no fundo posso sentir a corda em volta do pescoço.
Foi algo tão próximo, e que agora parecia adormecer calmo, e talvez aqueles olhos serenos já estivessem mais despertados do que eu previra. Talvez eu não previra nada, nem vira, só senti. E que sensação estranha, ser puxado para dentro de sua própria criação, sentir sua angústia, deixar que revivessem um momento que jamais existiu. Um aperto tão sólido...
Não é a primeira vez, mas renuncio à minha criação, inclino-me perante sua vivacidade. Inunde-me outra vez com sua história, conceda-me o conhecimento de suas experiências e me guie adiante.

Lá no fundo, ambos sabemos que estou aqui por isso...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Ser ou deixar de ser?

Uma questão simples que aos poucos amontoou minha cabeça com dúvidas. Sei que se perguntar a outros em busca de uma ajuda, as respostas serão: "seja!" pelo menos para a maioria que me importa. Então, qual é o problema em ser? Não desta forma, creio, parece que algo não está certo. É como se o propósito de sua criação tivesse sido alterado profundamento, dando-lhe outro significado... E isso confunde tudo. E daí? Pode somente seguir em frente sem saber de nada? Não, porque tudo se reflete no futuro...
E que futuro teria uma criança já nascida pública? Que esforços deveria eu medir agora por algo cujo frutos podem ser ou não colhidos no tempo adequado? Ser ou deixar de ser aquilo que se esperou? Sinto que a mudança será como um aborto...
Espontâneo por si mesmo nasceu, e agora tendo sua singela liberdade ameaçada, mais parece uma cria prestes a ser assassinada. Está certo, confesso que não chega a atingir tão altos pensamentos, mas está longe de ser uma simples questão, esta do ser.
Sendo, é mais, deixando de ser, é mais também, mas de um modo um tanto desagradável.

Onde está a luz quando se precisa dela?
Pergunto-me onde estará este ser que faz do seu lar as entranhas dos pensamentos...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Sumiço

Por vários motivos, muitos deles desconhecidos, mas todos motivos que não explicam nada, mais semelhantes a grandes incógnitas que organizam uma equação sem resposta, está sumido. Todos os elementos escondidos, sumidos, de dentro daquele que deveria vergar seu ego num pedido que nada tem de vergonhoso, muito pelo contrário, tal ação (mais sábia do que nobre, mais sóbria do que dolorosa) poderia salvar muito além do previsto. Os pensamentos embaralhados naquela mente pouco devem considerar o que está esperando pouco adiante, sendo mais fácil escolher a toca à luta. Batalha que nada tem a perder e tudo tem a ganhar, ou manter, ou rever, ou conquistar. Ou nada mais.
Nada mais a fazer. Aguardar já foi dito, e feito. E o que foi feito não pode ser revertido. Não há mais tinta que possa consertar aquele borrão, não tem mais o que pedir para que se dê um jeito. Como sempre, resta apenas a estrada individual que não mede a vista do horizonte, nem escolhe quem a percorre. Mas sempre foi assim, sempre foi à frente.

Saiba apenas que o pedido jamais feito já foi respondido. E a resposta é simples, é sabida, é: sim, eu perdoo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

INVASÃO!! FUJAM PARA AS MONTANHAS!!

Para aqueles que pensavam que apenas o nosso jovem (de 30 anos? XD) Arturia escrevia nesse blog... supresa! E para você também, Arturia, tenho certeza. As vezes é preciso invadir lugares, cruzar fronteiras. Escrever uma mensagem de aniversário para você é um ótimo motivo pra isso.

Não faz tanto tempo assim que nos conhecemos, não é? Ainda acho graça da maneira como nossa relação cresceu e se aprofundou, quando dei por mim já estávamos falando de coisas que eu não costumava compartilhar com ninguém, muitas delas idiotas e engraçadas. E criamos um vinculo. Por isso sinto que te conheço há muito mais tempo, sua presença é tão natural em minha vida que não dá para imaginar como as coisas seriam se tivessem tomado um rumo diferente. Dentre chutes e abraços acabamos formando um laço que muitas vezes foi responsável por nos puxar para cima, nos levar adiante, e como precisávamos disso (cada um do seu jeito).

Aprendi muito com você, Arturia. Sua paciência, sua sinceridade e seu amor pelo que faz são traços que admiro profundamente em sua personalidade e me ajudaram a ver o mundo com outros olhos, a entender muito do que acontecia comigo mesmo e ao meu redor, por isso também sou muito grato por sua amizade. Hoje sei o que é compartilhar como nunca soube a minha vida toda. Além disso, através de sua amizade eu fui capaz de construir outra muito importante, que nos deu essa sensação de família, a família mais esquisita que conheço. E que amo.
Olha... Quero muito, mas muito mesmo, que você alcance seus sonhos. Muitas pessoas que enfrentassem metade de suas dificuldades já teriam seguido qualquer outro caminho paralelo, satisfeitas em fazer qualquer outra coisa da vida que não realizar seus sonhos, isso te faz uma pessoa forte! Tenho fé em você, Arty, e farei o possível para te ajudar em sua caminhada. Porque eu demorei para segurar a sua mão... mas agora você se ferrou, grudei. E fim. =D

Bom... era isso que queria dizer mesmo. Te amo, onii-chan.




Fonftka~



Ah...se ferrou duplamente xD porque vai ter que me aturar por mais 2.500 anos ^^v

Humm...ahh..eu não vou conseguir falar de você sem me emocionar xD' -q .... mas é que você sabe como eu sou manteiga derretida ( o Afonso sabe bem xD *derrama*)
enfim...

Assim como ele, também não nos conhecemos a muito tempo, mas nem há tão pouco também, pra mim parecem anos já. É que o tempo corre quando estou com você, os dias parecem tão pequenos,não dá tempo nem de matar a saudade. Acho que sinto isso porque pra mim você é o mais importante de tudo, então sou egoísta e sempre quero mais.

O tempo corre, fato... mas parece que ele se arrasta às vezes também, só pra levar um século até nos vermos de novo ( e tá demorando...) eu sempre fico pensando no dia em que não vamos mais precisar esperar e me parece tão maravilhoso. Eu lembro claramente da época em que era assim, foi por um curto período, mas foi perfeito.

É incrível como me faz andar por aí rindo igual boba, só lembrando de tudo que nós já passamos... e parece mágica o que você faz, eu posso chegar odiando o mundo e querendo botar fogo em tudo, espancar as pessoas e construir uma bomba, que você sempre me faz ficar calminha... igual quando eu chego chorando litros, você acaba me fazendo rir.

Me faz babar muiiiito e ficar louca querendo mais quando escreve ou me fala das histórias que quer fazer...e eu adoro ler, como eu costumo dizer, você não poderia fazer outra coisa que eu gostasse mais ( a não ser que fosse de uma boyband *-* xD). Te admiro pra caramba, espero muito muito mesmo ver os seus livros publicados e seus jogos feitos. ( sim, pra quem não sabe, ele é multifuncional, também faz jogos ^^v)

Espero que possamos continuar na sua vida ( e invadindo seu blog XD ) por muito tempo.

Te amo demais e estarei sempre aqui pra você.




Karlaanime **=

sábado, 27 de março de 2010

30

Tantos momentos importantes, tantas minúcias integradas a segredos, descansando debaixo deste grande pano chamado memória até a hora de recordar. Aos poucos, a vontade de vasculhar a montanha de acontecimentos em busca daquilo que não se vê mais por cima, daquilo que aos poucos obscurece na mente, inunda toda a razão num doce devaneio. É impossível contar com precisão tudo dentro desse trinta. Tão insignificante quando olhar para o horizonte, mas erguido como um grande castelo às nossas costas. De fato, um castelo de promessas infinitas.
Ainda que o cheiro do que está por vir esteja na brisa que sopra sobre o rosto, existe uma estranha calmaria dentro da tempestade de vontades de saltar o tempo, cruzar estradas e espaços até o objetivo que estava lá e agora está ali. É como uma luta interna que definirá a distância e a profundidade de tudo. Do trinta.
Despertar todo dia sem pensar nisso é tão impossível quanto retornar agora. Tudo que resta, tudo que pode ser apresentado é o que os olhos veem.
O que é visto é reflexo do que se deseja, assim sendo, é reflexo do furuto.

Este brilho jamais acabará, é infindável, tais como as recordações simples, e ao mesmo tempo tão especiais, do trinta. Este é como o que se sente, só aumenta... só aumenta...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Em conjunto

Em falta. Um pouco de idéias para discutir, ou para se ouvir. Um pouco de vontade em agradar, em conquistar, em avançar. Um pouco daquilo que sempre desejamos para nós e nunca nos esforçamos para dar aos outros. Um pouco em conjunto.
É o que falta. Paz para refletir, estado de espírito que liberta os pesares e segue adiante. Só alguns passos, pequenos, para outros mais longos futuros. Duradouros, talvez. E a beleza da coisa toda confusa e enroscada em mais de um ser, do jeito que se pode dizer que quanto mais, melhor. É assim, felicidade aos poucos se espalha entre quem a quer. Tudo em conjunto, mas só um pouco.
Às vezes só o empurrão, que jamais pode ser dado no próprio autor, serve de ignição para os projetos mais ousados, e respeitados. Não apenas um ou dois, mas o... De modo que faz toda a diferença, indiferente ao número. Números, aliás, que pouca falta fazem. Seja no conjunto, seja no singular. Porque o que mais vale no conjunto é o que se sente e não o que se conta. Exceto quando o que se conta gera sorrisos, estes sentidos, o que já explica tudo.
Exceção também é conjunto de um só, que faz, pensa, conversa e planeja tudo ao mesmo tempo em monólogos que mais parecem diálogos. O resultado é o que se vê como loucura. Como arte.
Arte perigosa vista sozinha, agradável em companhia. Em conjunto.
Sempre em conjunto, mas apenas um pouco.
É o que falta, pois sempre está em falta, mesmo que só um pouco.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Uma vida no escuro

“Eu estava à espera. Há tanto tempo, neste lugar escuro e desabitado, eu estava à espera. Sempre que podia, olhava o pontilhado luminoso tão distante, lá fora, onde não alcanço, nem se usasse todas as minhas forças. Quase sempre aquele brilho chegava a mim como um luminoso céu estrelado, algo realmente fascinante. Mas hoje está como o céu nublado, opaco. Não há luz aqui. Nunca teve. E eu estava à espera, há tanto tempo, neste lugar que pouco tem a mostrar, até que finalmente fui chamado para fora da casca.”

Saber de uma verdade que mais ninguém pode desfrutar nos torna mais livres ou mais prisioneiros? E quando o preço por esse conhecimento é superior ao estimado? Coisas não tão agradáveis podem acontecer. Essa nova sabedoria, que deveria chegar como uma luz, mais parece tornar tudo escuro, preso, dependente e enfraquecido. Doente, por assim dizer. Para os que estão fora deste círculo, a falsa verdade, essa luz com brilho colorido, deformada e construída de maneira a hipnotizar a todos, passa sem revelar a verdadeira cor da vida. Da energia que a vida traz consigo. Por fim, a confusão que deveria ter dominado a todos no momento em que aquilo explodiu se tornou, com o tempo, um agradável espetáculo controlado por mãos invisíveis. Mãos que estão além da verdade e que podem tocar aquilo que você deseja proteger.
É assim que este mundo segue girando. Entre os devaneios forjados por uma minoria seleta e os gritos silenciosos de uma multidão amordaçada. Além daqueles que nada veem, nada ouvem e nada sabem, vagando por entre as ruas de ferro e pedra como mortos-vivos sem vontade própria, existe uma sombra que procura por sua própria paz que só pode ser encontrada lá fora.

O que está fora da casca? Apenas saindo para conhecer...