quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Declaração

Ensaiando num quarto sozinho, deixando que as doces palavras ecoem livremente em baixo volume, até alcançar os ouvidos tão atentos e passar esta vibração para o interior. Para o coração. Não parece atingir o fundo, pois lá dentro a batida cala outras vozes. Vívida e cálida, para não dizer independente, forte o bastante para tomar tudo, preencher de vermelho até onde deveria ter outra cor. E os olhos que espiam o espelho tão aflitos percebem a loucura de sua própria alma, enxergam o vermelho brotando de dentro, corando tudo, até sua mente. É impossível ver outra coisa além do possível fracasso.
Outra vez a vergonha chega para dar um basta às idéias que nada querem dizer, à confusão que teima em voltar, como se disputasse um espaço tão apertado com todos os outros sentimentos. O espaço onde se deseja que a razão esteja. E se o pedaço de papel não fala por si mesmo, e se os sonhos e delírios noturnos não podem expor uma imagem tão delicada, tudo o que resta é a declaração minuciosa, para calar de vez a voz da dúvida, o incômodo que se lança para fora da boca sem permissão, apenas para ganhar asas e te deixar um ovo de frustração. Um presente que talvez tenha que lidar por um tempo, até chocar, viver e morrer, e seguir em frente para o lugar além de qualquer visão, de qualquer pensamento, onde os seres se cruzam e a história se faz de novo.
Declaração que nada muda mas que pensamos mudar tudo. Declaração que voa mais longe do que o desejável e traz bem menos do que é perdido. Declaração que limpa e suja novamente. Declaração que nada muda em nós o que queremos mudar nos outros.
Declaração que, acima de tudo, cumpre seu papel em dar a conhecer o que é mais profundo e misterioso que a própria alma: o ser humano em sua totalidade.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Prisão do eterno atraso

A hora passa. Sabe-se disso, sente-se isso. A hora continua a passar e a vontade a aumentar. Às vezes devagar, às vezes depressa, o tique-taque eterno e silencioso. Muito embora, em alguns momentos, possamos ouvir com clareza a batida rítmica e enlouquecedora desta prisão. Sentir em cada parte do corpo, experimentando a sensação segundo após segundo, minuto a minuto, sem jamais ver o que se deseja, o que se espera. Como olhar para o fundo do céu claro e aberto, do azul infinito, e torcer para que uma gota d'água caia do mar celestial, ainda que sabendo, lá no fundo, que tal água não cairá tão cedo, não tão cedo quanto se precisa dela. É a necessidade que faz o homem.
Na prisão do eterno atraso, tudo chega muito depois que a esperança já se foi. Muito depois que a vontade corroeu por dentro os restos do coração, já tão despedaçado pelas desesperanças anteriores, tal perversidade repetida tantas vezes que é quase inacreditável ainda restar, ali, naquele órgão seco, alguma vida ou força para bater. É quase inacreditável pensar que, ainda assim, a esperança retorna num novo desejo não realizado. Uma vontade concretizada tão tardiamente... apenas na madrugada escura e solitária, quando o corpo já se entregou ao sono há muito.
Na prisão do eterno atraso não se sonha, ou melhor, não se almeja sonhar, esperar, acreditar. Almeja apenas a serenidade e a paciência, a virtude da sabedoria para entender e calcular com precisão quando chega a novidade já velha. Raramente se acerta, quando a força dos braços é a única ferramenta para se realizar algo, tudo se torna mais fácil. No entanto, aqui, nesta prisão, só há o atraso.

Espero, por fim, que até o atraso se atrase, se esqueça de vir, é a última esperança para se reverter isso. Porque a esperança é, de fato, imortal e triunfante, até mesmo sobre o tempo.